terça-feira, 10 de maio de 2016

Relatos da UBS Santa Cecília/SP - participação do usuário na construção do SUS

Desde 2006 sou cadastrada no programa municipal para recebimento de insumos de diabetes na Unidade Básica de Saúde próxima à minha residência, a UBS Dr. Humberto Pascale - Santa Cecília (Rua Vitorino Carmilo, 599, na Capital de São Paulo)




Até meados de 2015 comparecia à unidade apenas para retirar fitas medidoras, lancetas e lixo para pérfuro-cortantes. Mas depois que cancelei meu plano de saúde e decidi fazer o acompanhamento da minha saúde quase totalmente pelo SUS, comecei a frequentar a UBS com uma constância maior, e acabei percebendo como esse vínculo com a unidade ajuda a promover um cuidado mais integralizado à minha saúde.

Do ano passado pra cá já passei por consultas com vários especialistas, fiz alguns exames, retirei insumos e medicamentos, tomei vacinas e me inscrevi em programas variados de saúde. Em algumas dessas vezes tive muita dificuldade de acesso aos atendimentos (já passei um dia inteiro na UBS conseguindo apenas parte do que precisava) e em outras vezes fui completamente atendida em pouquíssimo tempo (há um mês consegui marcar consulta com oftalmologista e clínica geral, retirar exames e medicamentos, tomar vacina contra influenza e passar por consulta com endocrinologista, tudo em menos de duas horas). 

Essas experiências práticas me trazem muitas reflexões sobre formas de melhorar o sistema único de saúde, mas nunca compartilhei publicamente o que acontece durante as minhas idas e vindas da UBS Santa Cecília. Resolvi então começar a relatar as minhas visitas à unidade no blog (na nova seção "UBS Santa Cecília/SP"), abraçando a diretriz constitucional da participação da comunidade na construção do SUS, a exemplo de amigos e amigas que fazem isso Brasil afora, entre elas Márcia Meirellys de Aracaju/SE (http://www.redehumanizasus.net/93650-a-charmosa-ubs-dona-sinhazinha-em-aracaju-se-se-destaca-por-levar-a-serio-as-campanhas-junto-a-comunidade).

Ressalto o caráter não maniqueísta desses relatos, que buscarão mostrar o que precisa ser aperfeiçoado e o que já funciona no "SUS que dá certo", na tentativa de construir uma narrativa que problematize o sistema único de saúde sem perder de vista toda a sua complexidade.

Segue então o relato de hoje, 10 de maio de 2016:

Compareci à UBS Santa Cecília com 3 objetivos: retirar os insumos do kit diabetes (http://deboraligieri.blogspot.com.br/2015/12/kit-diabetes-programa-de.html), retirar o medicamento indicado pela neurologista para tratamento de neuropatia (tiamina) e me inscrever no programa de cessação do tabagismo.

Ao chegar na sala de atendimento do kit diabetes percebi que a pessoa que costuma nos atender não estava lá, porque substituiria uma colega na parte da tarde que estava de férias. A funcionária que (quase não) me atendeu disse que não forneceria insumos para mais ninguém, porque já havia atendido 18 pessoas e tinha outros serviços para fazer no seu próprio setor de trabalho. Mas briguei e insisti que esse era meu direito, e que eu estava marcada para aquele dia e horário (10 horas da manhã), e consegui receber as fitas medidoras (as lancetas estão em falta nessa UBS desde março).

Em seguida me dirigi à sala 23 no térreo onde são cadastradas as pessoas interessadas em participar do grupo anti-tabagismo. A sala estava aberta mas vazia, e havia duas mulheres esperando para receber outros atendimentos. 

Precisei então ir ao banheiro, mas o toilette feminino do primeiro andar estava quebrado. Subi ao segundo andar e lá também não era possível usar o banheiro feminino porque estava interditado. Um rapaz trans que ali estava disse para eu usar o masculino já que "a única diferença é o gênero". Libertada das amarras de gênero, usei o banheiro masculino e desci novamente para a sala 23.

A funcionária ainda não havia retornado, então verifiquei se o número da minha senha para retirar a tiamina (havia pegado a senha assim que entrei na UBS) estava próximo. Como ainda faltavam muitos números, retornei à sala 23, e desta vez a funcionária havia chegado e estava atendendo uma das mulheres. A segunda usuária, na verdade, não estava esperando atendimento na sala 23, mas aguardava a coordenadora do kit diabetes para reclamar que não recebera os insumos por recusa da profissional que não a atendeu, mesmo ela estando marcada para hoje.

Fui então chamada na sala 23. A funcionária que me atendeu conversava com um colega e uma colega da UBS, que dela caçoavam porque um usuário a chamara de "mal amada e mal comida". Mesmo assim ela me atendeu gentilmente, me cadastrou no programa de cessação do tabagismo e me explicou que assim que o grupo fosse formado alguém entraria em contato comigo para informar a data do primeiro encontro na UBS.

Voltei então à fila para retirada da tiamina, mas ainda faltavam 10 números (da senha não preferencial) e já eram 11h30, e eu precisava passar no supermercado e preparar o almoço. Como ainda tenho em casa uma caixa de tiamina (comprada na drogaria), resolvi retornar outro dia.

A reflexão que fica dessa experiência de hoje é que talvez a UBS Santa Cecília precise de mais funcionários, porque vários trabalhadores estão realizando múltiplas tarefas em setores diferentes, o que prejudica a saúde física e psicológica do profissional e também dificulta o acesso aos serviços pelos usuários, que nem sempre compreendem as dificuldades de quem trabalha nesse esquema. Por outro lado, alguns funcionários também se prendem a regras burocráticas (ou não) criadas para garantir o acesso mas que, na prática, acabam por criar barreiras ao atendimento. 

O que significa ter atendido 18 pessoas? Todas aquelas cadastradas e marcadas para o dia devem ser atendidas. E como colocar uma funcionária para realizar um trabalho para o qual não foi preparada, em acréscimo às demais tarefas já realizadas normalmente (fornecer os insumos é apenas uma parte, é necessário ainda preencher documentos e organizar agenda para as próximas retiradas de cada usuário)?

E por que estão faltando insumos do programa de automonitoramento glicêmico? Há relatos de falta de fitas e lancetas em toda a cidade de São Paulo. A prefeitura não recebeu os recursos para financiamento do programa? Se recebeu, qual seria o motivo da falta, problemas com as fornecedoras dos produtos (Roche - fitas medidoras, e G Tech - lacetas)? Os usuários precisam saber a causa do problema para buscar a solução.

Todos os banheiros devem estar em funcionamento para atender as pessoas, principalmente quando há demora de atendimento (a fila de medicamentos era longa hoje, por isso demorou mais, todavia há dias em que a espera dura menos que 5 minutos). Mas se o gênero é o que impede o atendimento a uma necessidade orgânica, desfaçamos então os gêneros!




3 comentários:

Débora Aligieri disse...

Enviei este relato para a ouvidoria, quando fiz a reclamação por falta de lancetas, e também ao Conselho Municipal de Saúde, que registrou outra reclamação em meu nome. Recebi vários emails sobre os registros, e hoje uma resposta da ouvidoria, por telefone e por email.

Por telefone me disseram que a UBS Santa Cecilia está com problemas nos telefones, que não conseguiram contato com os responsáveis pelo kit diabetes de lá, e que a falta de lancetas esteja ocorrendo por possíveis problemas de licitação.

O email veio com o seguinte teor:

"BOM DIA
SRª. DEBORA ALIGIERI
ENCAMINHAMOS ABAIXO A RESPOSTA DA ÁREA TÉCNICA DE SUPRIMENTOS - CRS-CENTRO, REFERENTE A MANIFESTAÇÃO SOLICITAÇÃO DE LANCETA, PROTOCOLO Nº 1827354, REGISTRADO EM 07/06/2016 NO SISTEMA OUVIDOR SUS.
PRODUTO: LANCETA (INSUMO PARA DIABETES) ESTÁ EM FALTA EM SMS.
A DIVISÃO DE SUPRIMENTOS DA SMS, QUE É A RESPONSÁVEL PELA AQUISIÇÃO E DISTRIBUIÇÃO DE INSUMOS UNIDADES DE SAÚDE DA REDE MUNICIPAL, VEM ENVIDANDO TODOS OS ESFORÇOS PARA QUE A FALTA DE LANCETA SEJA SANADA O MAIS BREVEMENTE POSSÍVEL, AS TIRAS, QUE É O INSUMO MAIS CARO, ESTA NORMALIZADO.
ANGELA MARIA ROMERO THOMAS ZOPPETTI - RESP/ P/ SUPRIMENTOS - STS-SÉ.
ATT.;
ARY BARBOSA MARQUES
OUVIDOR COORD. SAÚDE CENTRO"


Respondi da seguinte forma:

"Grata pelo retorno Ary, e pelos esforços envidados para tentar normalizar o fornecimento das lancetas!
Você saberia dizer qual é exatamente o problema que vem causando a falta das lancetas desde o começo do ano? É mesmo um problema de licitação? Como eu poderia contribuir para que o problema seja resolvido enquanto usuária e controle social? Abraços. Débora"

Até quando os telefones da UBS Santa Cecilia ficarão sem funcionar, e sem permitir o contato entre a UBS e os demais setores da Secretaria Municipal da Saúde, e também entre a UBS e os usuários? E qual é exatamente o motivo que está causando a falta de lancetas em São Paulo desde o começo do ano? Precisamos saber para ajudar a melhorar os serviços, na UBS Santa Cecilia e nas demais UBS's onde as lancetas são distribuidas na cidade de São Paulo.

Débora Aligieri disse...

Enviado texto e manifestação sobre falta de lancetas desde o início, recebi muitos retornos da ouvidoria com registros de reclamação em meu nome (além do meu próprio, acredito que o Conselho Municipal de Saúde também se mobilizou). Um funcionário da ouvidoria me ligou para informar que estavam com dificuldades de contato com a UBS Santa Cecília, mas que estavam se empenhando para resolver o problema (parece que era uma questão de licitação). Há alguns dias recebi um telefonema da UBS dizendo que as lancetas haviam chegado. Fui lá durante a semana passada e recebi todos os meus insumos do kit diabetes (fitas, lancetas e lixo para pérfuro-cortantes).

Maravilha ver que o diálogo possibilita a identificação e solução de problemas!

Cris Vi disse...

Sim Débora! É a atitude que faz a diferença. O SUS não pode dar certo sozinho! Um bom sistema depende de uma coletividade atenta,exigente mas justa,que insiste e colabora, que pede mas agradeçe. Esse é o único caminho. Conte mais. Cris